Livros pequenos, de cores chamativas e autores simpáticos chamaram a atenção do público do Festival Literário e Cultural de Feira de Santana (Flifs). A literatura de cordel se faz presente desde o nascimento do evento e, na Praça do Cordel, espaço reservado para os cordelistas, os dizeres e debates tratam de assuntos como política, cultura e discriminação.
A coordenadora geral da Flifs, Eliana Mota, explicou que o espaço exclusivo para os cordelistas nasceu da percepção da falta de uma maior visibilidade para os escritores. “Nós pensamos na importância que o cordel tem para a cultura popular. Na maioria das vezes, nós vemos que essa literatura não é valorizada e a nossa intenção sempre foi qualificar os artistas que estão aqui todos os anos”, falou.
Para Eliana, o cordel tem a capacidade de levar o Nordeste para além da região. “É impossível pensar em Nordeste e não pensar no cordel. Nós temos diversos depoimentos de pessoas que aprenderam a ler e tomaram gosto pela leitura por conta desse tipo de escrita”, ressaltou a coordenadora geral do festival.
Neste ano, a Praça do Cordel contou com a participação de 18 cordelistas, o maior número de artistas de todas as edições. “Nós pensamos em aumentar a capacidade dos artistas, trazendo-os de outras regiões do Brasil e dando maior espaço para os locais também”, apontou Mota.
Feira de Santana como um lar para cordelistas
O cordel é um gênero literário que possui bastante força em Feira de Santana, principalmente pela sua presença nas grandes feiras tradicionais do município. Grandes nomes, histórias e gravuras enfeitam os livros que abordam temas e personagens típicos do nordeste.
Luciano Ferreira, cordelista desde a adolescência, marca presença no festival desde 2013. Ele apontou que a Feira do Livro é o principal meio para a divulgação das suas obras e que “se prepara o ano todo pra isso e, a cada edição, lanço novos livros”. Para o escritor, o cordel representa a cultura popular e é preciso que os feirenses tenham um maior contato com esse gênero literário. Luciano também destacou que a relação entre os cordelistas e o público faz com que os livros fiquem ainda mais atraentes.
A Flifs também contou com nomes importantes para a literatura de cordel, como a Mestre Lainha, natural de Ilhéus. A cordelista já escreveu mais de 600 textos e possui mais de 35 anos na profissão. Segundo ela, sempre há uma grande expectativa para o evento, pois é onde seu trabalho é reconhecido. “Aqui, na feira, nós precisamos montar uma cadeia produtiva e é onde nós temos a oportunidade de mostrar o nosso trabalho. É importante vermos pessoas que criam e fazem com que isso tudo dê certo”, contou.
Para Lainha, fazer parte do festival é muito mais do que expor suas obras: é uma oportunidade de conhecimento. “Eu venho de outra cidade. Então, para mim, estar neste evento é muito positivo, pois eu trago uma boa bagagem cultural, conversamos sobre o progresso do cordel e trocamos ensinamentos e conhecimentos”, disse.
A literatura de Cordel como patrimônio imaterial do Brasil
A Praça do Cordel da Flifs contou com inúmeras atividades durante o festival, como recitação de poesias, apresentações musicais e debates. Na manhã do sábado (28), penúltimo dia do evento, o local recebeu os cordelistas Ana Ferraz, da Paraíba; Izabel Nascimento, de Sergipe; e Aderaldo Luciano, do Rio de Janeiro, para uma palestra sobre o cordel como patrimônio imaterial do Brasil e o mercado editorial.
Em setembro de 2018, o cordel foi reconhecido como patrimônio cultural brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No entanto, a discussão questionou o título. “Que poder tem o Iphan para reconhecer aquilo que o povo já reconheceu?”, indagou o poeta Aderaldo Luciano. “As autoridades constituídas do Brasil não sabem o que é o cordel. É muito fácil honrar alguém com títulos, mas eu quero ver o dia em que um autor vai ser convidado para fazer parte da Academia de Letras”, criticou ele sob o som de aplausos.
Aderaldo destacou ainda que, no Brasil, há um “terrível descaso” com a poesia do povo e as manifestações populares. “O poeta do cordel é um maldito. Demos uma volta nas grandes bienais e festivais pelo país para encontrarmos o cantinho do cordel. Nós não encontramos, pois ele não existe”, falou Luciano. O artista ainda acrescentou que não basta apenas reconhecer o cordel como patrimônio, mas sim, vivê-lo como poesia legítima brasileira.
O cordel na educação infantil
Muitos escritores e educadores acreditam que a literatura de cordel proporciona aos alunos prazer e inspiração e potencializa o desenvolvimento de ações cognitivas sobre diversos temas. Porém, a professora Evylle Freitas, disse que o trabalho com esse estilo literário ainda é pouco explorado nas escolas. “Muitos dos meus alunos sequer sabem do que se tratam esses livros. Em todas as reuniões de conselho pedagógico, faço questão de questionar sobre quando daremos maior visibilidade ao cordel, pois ele é muito importante para o enriquecimento da cultura nordestina”, explicou.
A autora e editora Ana Ferraz explicou que o cordel ainda é visto como uma literatura “diminutiva” e, por isso, o Ministério da Educação pouco faz para levar os livros às salas de aulas. “As escolas precisam se especializar, porque cordel não é brincadeira. Porque, na maioria das vezes, os educadores acham que é só rimar que tá tudo pronto. Essa literatura é bonitinha quando sai na televisão, quando alguém importante indica, mas é preciso ter um maior respeito”, pontuou Ferraz.
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